segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Horizon Report 2010: Seis tecnologias mudarão a universidade e a economia

Ethevaldo Siqueira é jornalista especializado em tecnologias. Ele escreve uma coluna semana no jornal O Estado de S.Paulo e mantém um blog sobre tecnologia com grande número de seguidores regulares. O artigo a seguir, publicado n´O Estado de S. Paulo em 24 de janeiro de 2010, foi fruto de uma visita que o jornalista fez recentemente a várias empresas eno Vale do Silício na Califórnia (EUA).

Seis tecnologias mudarão a universidade e a economia
24 de janeiro de 2010
Ethevaldo Siqueira
de Berkeley, EUA


Seis tecnologias emergentes podem fazer uma verdadeira revolução na universidade, na pesquisa científica e na economia dos países nos próximos cinco anos. São elas: computação móvel, conteúdo aberto (open content), livros eletrônicos (e-books ou e-readers), realidade aumentada, computação baseada em gestos e, por fim, a análise de dados visuais.

No curto prazo, ou seja, nos próximos 12 meses, a computação móvel e o conteúdo aberto deverão alcançar seu ponto máximo de utilização. Em três anos, assistiremos à explosão dos livros eletrônicos e da realidade aumentada. Num horizonte mais distante, de cinco anos, estarão amadurecendo a computação baseada em gestos e a análise de dados visuais.

Essas são as conclusões básicas do Horizon Report 2010, em sua sétima publicação anual. (Link para download do documento em inglês, no formato pdf, no pé deste texto.) Esse relatório de tendências descreve o trabalho continuado do Projeto Horizon, num esforço colaborativo entre o Consórcio New Media (NMC, na sigla em inglês) e a Educause Learning Initiative (ELI), que têm contado com a contribuição de mais de 400 líderes nos campos de indústria, negócios, tecnologia e educação, ao longo dos últimos sete anos.

Comecemos pelos grandes fatores de transformação da universidade. O primeiro deles é a necessidade de ampliação da interdisciplinaridade. Testemunhei um dos melhores exemplos dessa nova postura ao visitar, há pouco mais de uma semana, a Universidade da Califórnia em Berkeley.

O brasileiro Jean Paul Jacob, cientista emérito e professor, diz que em seu laboratório, na Universidade de Berkeley, denominado Citris, trabalham lado a lado mais de uma centena de cientistas das mais diversas formações: engenheiros, físicos, sociólogos, economistas, psicólogos, filósofos, artistas e muitos outros. O Citris (sigla de Center for Information Technology Research in the Interest of Society) é uma unidade de pesquisa de vanguarda dentro da Universidade de Berkeley.

Esse centro é apenas um exemplo do que já acontece em toda a Universidade de Berkeley, que "visa mudar o perfil do cientista do modelo I para o modelo T". No primeiro caso, o cientista domina em profundidade apenas um segmento cada vez mais estreito de determinada ciência ou campo do conhecimento. Nesse segmento, ele sabe tudo, em grande profundidade, mas quase nada sobre áreas vizinhas.

No modelo T, o cientista continua a ser um especialista com conhecimentos profundos em um segmento, mas tem grande familiaridade com muitas áreas vizinhas. Assim, o novo engenheiro, por exemplo, além de maior competência em sua especialidade, conhece muitas áreas ligadas à engenharia em geral, e está preparado e motivado para o relacionamento com problemas sociais, culturais, políticos, econômicos e até artísticos.

GRANDES TENDÊNCIAS
Segundo o Horizon Report 2010, a abundância de recursos e relacionamentos que se tornaram viáveis e acessíveis pela internet nos desafia de forma crescente a rever o papel do educador, como formador do caráter e facilitador do processo de qualificação dos futuros cidadãos.

A universidade, por sua vez, deve considerar a importância do valor, único e precioso, que pode e deve acrescentar a um mundo em que a informação está em todo lugar e no qual lhe compete contribuir para desenvolver no estudante o bom-senso e a capacidade de avaliação da credibilidade da informação, entre outras competências essenciais.

Curiosamente, nestes novos tempos, torna-se ainda mais relevante o papel clássico da universidade de orientar e preparar o jovem para o mundo em que ele vai viver – ou seja, o mesmo papel central da universidade quando ela alcançou sua forma moderna no século 14.

Milhões de pessoas buscam hoje o conhecimento, mas enfrentam as restrições formais, bem como o excessivo conservadorismo das velhas instituições. Esses obstáculos acabam impedindo a realização das aspirações dessa multidão de seres humanos que gostaria de poder trabalhar, aprender e estudar em qualquer momento e em qualquer lugar.

Neste novo mundo cada vez mais congestionado – em que os jovens devem aprender a equilibrar suas demandas de casa, trabalho, escola e família –, a vida cria um conjunto de desafios logísticos com os quais os estudantes têm de lutar cada dia mais.

Que fazer diante das necessidades de milhões de pessoas, jovens ou adultas, que querem e precisam de acesso fácil ao conhecimento e no tempo certo? A maior disponibilidade de informação tem implicações profundas para a aprendizagem informal, assim como as noções de aprendizagem no tempo certo (just-in-time) e a aprendizagem não buscada (found). Ambas as formas podem maximizar o impacto da aquisição de conhecimento, de forma eficaz e no tempo adequado.

O PODER DA NUVEM
As tecnologias que usamos, ressalta o Horizon Report 2010, são a cada dia mais baseadas na nuvem, isto é, na internet (cloud-based) e nossas noções de apoio da tecnologia da informação (TI) são, também, sempre mais descentralizadas.

A aceitação contínua e a adoção de aplicações e serviços baseados na nuvem estão mudando não apenas os meios com que configuramos e usamos o software e os arquivos de armazenamento, mas também como conceituamos aquelas funções. Não importa onde nosso trabalho é armazenado. O que importa é que a informação de que precisamos esteja acessível onde quer que estejamos, seja qual for o dispositivo que usemos.

Globalmente e a grosso modo, estamos usando cada dia mais um modelo de software baseado em browsers, independentemente do dispositivo utilizado.

COLABORAÇÃO
O trabalho dos estudantes e acadêmicos está sendo visto cada dia mais como colaborativo por natureza, e há mais cooperação entre os departamentos e mesmo entre as diversas universidades.

Enquanto esta tendência não se amplia, tanto quanto outras listadas no relatório Horizon, os resultados ainda são modestos. Mas suas perspectivas são animadoras. Assim, naquelas escolas que já criaram um clima que permite a estudantes e professores trabalharem juntos em busca dos mesmos objetivos, a pesquisa torna-se um trabalho altamente estimulante, mesmo para estudantes de primeiro ano.

NOVA UNIVERSIDADE
O mundo precisa de uma nova universidade. Por isso, o papel da academia e o modo de preparar os jovens para a vida futura estão mudando. Em 2007, a American Association of Colleges and Universities recomendou entusiasticamente o emprego das tecnologias emergentes e seus aplicativos pelos estudantes, a fim de que eles ganhem sempre maior experiência em “pesquisa, experimentação, aprendizagem baseada em problemas, e outras formas de trabalho criativo”, em especial nos campos de estudo que eles escolheram.

Cabe à academia adaptar o ensino e as práticas de aprendizagem não apenas à satisfação das necessidades de hoje dos alunos, mas enfatizar a investigação crítica e a flexibilidade mental, dar aos estudantes as ferramentas necessárias à execução de suas tarefas, conectar os estudantes às questões sociais mais amplas, mediante o engajamento cívico, e encorajá-los a aplicar sua aprendizagem na solução de problemas complexos em larga escala.

Novas formas educativas de programação, editoração e pesquisa continuam a emergir, mas os meios apropriados para medi-las e avaliá-las estão cada dia mais distantes.

A alfabetização digital – ou seja, o conhecimento e a utilização eficaz de todos os meios e tecnologias digitais da comunicação e da informação – continua a ganhar importância cada dia maior, como competência ou habilidade básica em cada disciplina e profissão. Mas isso não pode ser levado ao extremo ou ser considerado norma rígida, pois a tecnologia evolui continuamente.

Essa habilidade no uso das tecnologias digitais deve ser menos voltada para ferramentas e bem mais para os seus fins, o modo de ver e pensar, de elaborar a narrativa. E está comprovado que as habilidades e padrões baseados em ferramentas e plataformas são algo efêmero e difícil de sustentar-se.

A cada dia, no entanto, as instituições têm estreitado mais seus objetivos, como resultado da redução dos orçamentos no cenário da atual crise econômica mundial.

CELULAR E LAPTOP
As duas maiores tendências tecnológicas no curto prazo, ou seja, nos próximos 12 meses, são computação móvel e conteúdo aberto.

Entendida como uso de dispositivos pessoais com capacidade de conexão à rede de que os estudantes já dispõem, a computação móvel já é utilizada em muitas universidades. Antes que seu uso se espalhe ainda mais, no entanto, há preocupações sobre algumas questões, como a da privacidade, da administração das salas de aula e do acesso.

Virtualmente, todos os estudantes de universidades levam consigo algum tipo de dispositivo móvel. Assim, se esses jovens já dispõem de meios de conexão móvel à rede – como celulares e laptops –, a oportunidade de ampliar sua utilização é excelente. E a conectividade da rede celular torna-se cada dia maior. Todas essas formas de computação móvel favorecem o aproveitamento no maior grau de colaboração e comunicação.

Dispositivos que vão de smartphones a netbooks são ferramentas portáteis que elevam a produtividade, auxiliam a comunicação e oferecem uma gama crescente de atividades inteiramente apoiadas em aplicações projetadas especialmente para dispositivos móveis.

CONTEÚDO ABERTO
Para muitos educadores, o acesso amplo e gratuito ao conteúdo do conhecimento equivale a um processo gigantesco de democratização do conhecimento a ser conduzido pela maioria das universidades do mundo, graças à internet e aos meios de comunicação em geral.

O mundo caminha para essa realidade. Quando visitava Berkeley há poucos dias, vi em diversos monitores a repetição de aulas da universidade, livremente oferecidas a quem quiser aprender, estudar remotamente ou atualizar-se. Isso significa que todo o conteúdo das aulas de Berkeley está disponível na internet, em IPTV, para acesso gratuito, a qualquer pessoa, dentro e fora da universidade.

Esse movimento de abertura do conteúdo começou há cerca de 10 anos, quando escolas como o Massachusetts Institute of Technology (MIT) passaram a permitir que suas aulas e cursos se tornassem disponíveis, gratuitamente, a qualquer cidadão. Hoje, há dezenas de outras universidades que adotam o mesmo procedimento em todo o mundo. A abertura desse conteúdo 24 horas por dia representa uma mudança profunda no modo como os alunos estudam e aprendem. No Brasil, a Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas já oferece esse conteúdo aberto, mas apenas em alguns cursos, gratuitamente a quem quiser. A maioria das universidades brasileiras, no entanto, ainda resiste à ideia do open content.

Muito mais do que uma coleção de materiais para cursos online, o conteúdo aberto transforma-se na resposta aos crescentes custos da educação, ao desejo de acesso de muitos cidadãos ao conhecimento e à informação em áreas onde tal acesso é difícil.

HORIZONTE DE 3 ANOS
Os livros eletrônicos e a realidade aumentada são duas outras tecnologias que, muito provavelmente, começaremos a ver adotadas de forma cada vez mais ampla, apoiadas em duas tecnologias já consolidadas que decolaram através das redes celulares globais e da internet.

Progressivamente, e-books e realidade aumentada estão, de fato, caindo no gosto e na cultura populares. Ambos já são usadas na prática num surpreendente número de universidades. E espera-se que sejam ainda mais utilizados num horizonte de dois a três anos.

Os livros eletrônicos não são novos, mas hoje são muito mais evoluídos e dispõem de muitos recursos. Foram lançados diversas vezes ao longo de aproximadamente quatro décadas. Mas o que ocorreu nos últimos 12 meses é algo diferente quanto à aceitação e ao uso. Os melhores projetos combinam não apenas a capacidade da leitura eletrônica, da comunicação sem fio, do armazenamento muito maior, da ampliação do tamanho dos textos, da possibilidade de anotações nos próprios textos digitais, das telas de LED orgânico (OLED) de alta resolução, da aquisição de dezenas ou centenas de outros textos de digitais.

E muito importante: eles prometem baixar os custos editoriais, poupar o estudante de carregar quilos de livros de texto e ainda reduzir o consumo de papel, dando uma contribuição muito positiva à preservação de recursos naturais e do meio ambiente.

A realidade aumentada, por sua vez, é uma das mais recentes inovações na indústria eletrônica, que sobrepõe gráficos, áudio e outros melhoramentos das telas dos computadores sobre o ambiente real. Muito mais rica de possibilidades do que os gráficos estáticos da tecnologia de TV, ela pode arranjar e empilhar gráficos para cada perspectiva e ajustar as imagens a cada movimento da cabeça e dos olhos do usuário.

O desenvolvimento da tecnologia exigida pelos sistemas de realidade aumentada, entretanto, ainda está em curso nos laboratórios tanto de universidades quanto de empresas. Nos próximos 10 anos, ou menos, deverão chegar ao mercado os primeiros sistemas de realidade aumentada produzidos em massa.

No passado, a realidade aumentada exigia o uso de equipamentos especializados, nenhum deles portátil. Hoje, as aplicações para laptops e smartphones cobrem a informação digital no mundo físico rápida e facilmente. Em mais dois ou três anos, ela começará a espalhar-se pelos campus universitários e chegar ao mercado de consumo doméstico e profissional.

PRÓXIMOS 5 ANOS
Finalmente, mais duas tecnologias que poderão viabilizar-se num horizonte de quatro a cinco anos: a computação gestual, ou seja, baseada em gestos (gesture-based computing) e a análise de dados visuais. Nesse horizonte, elas deverão estar em pleno uso por milhões de pessoas, mas já podem ser utilizadas hoje mesmo, em casos isolados.

Embora exista grande interesse no desenvolvimento de ambas as tecnologias e enormes volumes de recursos estejam sendo investidos em pesquisa em ambas as áreas, nenhuma delas chegou a disseminar-se ou estar presente nas universidades.

A computação gestual tem sido mostrada em diversos protótipos no mercado de eletrônica de entretenimento, com um bom número de aplicações em treinamento, pesquisa e estudo, embora esta tecnologia ainda não tenha chegado praticamente às escolas. Seus dispositivos são controlados por movimentos dos dedos, da mão, do braço e do corpo.

Há diversas aplicações na área de jogos. Na computação gestual, os dispositivos reconhecem e interpretam gestos e movimentos do usuário como comandos e controles. É claro que o uso dessa tecnologia exige treinamento prévio para que o usuário aprenda como funciona o sistema.

A análise de dados visuais é uma mistura de estatística, data mining e visualização, um campo emergente que promete tornar possível a qualquer pessoa examinar cuidadosamente, exibir e entender conceitos complexos e interrelações.

Como meio para descobrir e entender padrões em grandes conjuntos de dados via interpretação visual, a análise de dados visuais está sendo usada para análise científica de processos complexos. À medida que as ferramentas para interpretar e exibir os dados se tornam mais sofisticadas, modelos podem ser manipulados em tempo real e os pesquisadores podem navegar e explorar dados por meios que não eram possíveis anteriormente.

Copyright 2010 – O Estado de S. Paulo

Como leitura complementar, o jornalista sugere um artigo do professor Fredric M. Litto, criador da Escola do Futuro, da Universidade de São Paulo: A Nova Ecologia do Conhecimento: Conteúdo Aberto, Aprendizagem e Desenvolvimento. Também está disponível para download o documento Horizon Report 2010, em inglês, no formato pdf.





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